Descrição
PÓRTICO
Segundo as agências de viagens, é cada vez maior o número de portugueses e brasileiros que visitam, respectivamente, o Brasil e Portugal.
Se até há pouco tempo os portugueses achavam que não valia a pena atravessar o Atlântico e sofrer calores de quarenta graus para verem o Carnaval do Rio de Janeiro ou do Recife, o São João da Baía ou o Teatro de Ópera de Manaus (construído com granitos, mármores e espelhos importados da Europa); dos brasileiros se sabia que eles só passavam por Lisboa em trânsito para Paris, onde
uma maioria considerava obrigatório frequentar os boulevards e os magazins e uma minoria, percorrer as livrarias, museus e panteões, onde pairavam memórias de ilustres obreiros da moderna Civilização Latina.
Hoje, nos dois países, brasileiros e portugueses reencontram-se no carrefour das referências de um passado que os uniu e separou, por razões certamente mais epidérmicas do que entranhadas (filhas das típicas relações entre colonizador e colonizado), ambos se surpreendendo por descobertas recíprocas antes impensadas ou negligenciadas.
O presente trabalho é resultado do reencontro de um português com o Portugal longínquo que ficou pelo Brasil. Chame-se-lhe crónica, porque foi para o viajante mais importante atender às descobertas impressionistas de sensibilidades cruzadas do que seguir cânones académicos, ciosos de comprovações científicas.
Quinhentos anos depois de Pero Vaz de Caminha, cronista da chegada ao Brasil do navegador Pedro Álvares Cabral, se ter maravilhado com o edénico “Achado” e cem anos depois de Eça de Queiroz se ter decepcionado por o reencontrar jungido ao “industrialismo, a sociedade por acções, em todo o delírio das suas formas infinitas, a luz eléctrica, o veneno francês’ sob as marcas principais do champanhe e do romance”, em detrimento do “Brasil brasileiro, (…) de uma vida simples, forte, original, como viveu a outra metade da América, a América do Norte, antes do industrialismo, do mercantilismo, do capitalismo, e todos esses “ismos ‘ sociais que hoje a minam e tornam tão tumultuosa e rude” (louvando as virtudes pastoris e patriarcais dos idos do Império e em substituição da fulgurante Paris pela rústica Tormes) – o viajante português que tenha olhos de ver e espaço para andar, só pode extrair do desgosto de Eça de Queiroz que ele foi enganado pelo que o Brasil tinha de menos brasileiro, herança, portuguesa de que o que vem de fora é que é bom, sejam roupas, perfumes ou ideias.
Na verdade, o Brasil que Eça considerou o “genuíno” – das “casas simples, caiadas de branco, belas só pelo luxo do espaço, do ar, das águas, das sombras (das) largas famílias, onde a prática das lavouras, da caça, dos fortes exercícios’ desenvolvendo a robustez aperfeiçoaria a beleza, (do) viver frugal e são; ideias idílicos contornos com que Eça o visionou), na orla das praias, nas margens dos rios, na imensidão das chapadas, na braveza da caatinga e na solidão do agreste.
E muito se admiraria Eça se, cem anos passados sobre os seus temores ante o dilúvio capitalista, verificasse que nesse Brasil profundo se festejam Santos e entoam cantigas, confeccionam doces e proferem anexins, honram os pais e veneram os avós, em antiquíssimo legado que no Portugal moderno se dilui ou apaga, aos sons de uma Fala comum que se fez doce e plástica no Brasil e em Portugal permaneceu áspera e perra.
Esta crónica remete para um Portugal esquecido que continua no Brasil.
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