Descrição
Monografia Histórica de um Convento Franciscano e do mais que lhe sucedeu.
Atouguia da Baleia
Se recuássemos nos tempos para além do século XV, em vez de uma península onde fica Peniche e o Cabo Carvoeiro, antes encontraríamos uma ilha separada da costa, e num recorte mais profundo desta última, com feição portuária, a povoação de Atouguia da Baleia. Mas as areias que se foram juntando entre essa ilha e a terra próxima e o entulhamento progressivo do pequeno porto vizinho e do rio que lhe dava origem foram pouco a pouco transformando a geografia e a paisagem, a caminho do que hoje por ali se encontra: em vez da ilha, uma península; em vez de um porto interior, o fértil e amplo Vale de Ferrei, transformando aquele porto numa povoação interior, embora sempre próxima do litoral. Ao longe, a uma escassa dúzia de quilómetros, já no Atlântico, as Berlengas e os Farilhões, pequenas ilhas e os rochedos desligados do litoral num viver de exílio, habitados em tempos por frades expulsos pela pirataria argelina, pela Guarnição do Forte de S. João Baptista e hoje pelos faroleiros e raros pescadores. Situação única na costa de Portugal, que se mantém marítima e raramente acompanhada por vestígios próximos de terra emersa, tornando assim as Berlengas uma curiosidade sem igual. A quanto de original se referiu haverá a acrescentar o que de origem humana esta região recorda, ao passar-se por Serra d’El Rei ou por Moledo, a caminho da Lourinhã. Os dois locais estão ligados à presença de D. Pedro I, que mandou construir no primeiro uns paços de onde partiria para a caça, e frequentava uns outros existentes no segundo, onde se demorava no doce enlevo dos seus amores com D. Inês. Nesses paços de Serra d’El Rei estiveram outros reis, entre os quais D. Afonso V, que aforou uma propriedade contígua para com a sua renda sustentar os pavões que neles criava. Tudo se prende, desde um passado tão longínquo até um outro menos remoto, desde as alterações geográficas às alterações da presença humana, moldada pelas condições locais, adaptada a elas e vivendo delas. O que à primeira vista pareceu vulgar ou com menos interesse tem, assim, uma imprevista originalidade.
Gustavo de Matos Sequeira, em «À Descoberta de Portugal».
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