Descrição
Primeira retrospetiva do trabalho de Henry Moore (1898-1986) em Portugal, integrada nas comemorações dos 25 anos da Fundação Calouste Gulbenkian. Esta exposição surge na sequência de uma itinerância internacional iniciada em Madrid pela Fundação Henry Moore e que em Lisboa cumpriu o objetivo de documentar os 60 anos de produção do artista.
A primeira retrospetiva do trabalho de Henry Moore (1898-1986) em Portugal, foi, à época, a maior e mais ambiciosa exposição dedicada ao artista, desde a grande retrospetiva de 1972, apresentada em Forte Belvedere, Florença. Integrada nas comemorações do 25.º aniversário da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), foi uma iniciativa conjunta da FCG e do British Council. Antes de ser montada em Lisboa, foi apresentada em Madrid, no Palácio de Velázquez e no Palácio de Cristal, no Parque del Retiro (maio de 1981), sob a orientação da Henry Moore Foundation (Much Hadham, Reino Unido).
Na exposição esteve patente uma seleção de 587 obras de Henry Moore, entre as quais 228 esculturas (6 esculturas monumentais, 15 em tamanho natural e as restantes de dimensão média) e vários exemplares de obra gráfica. As esculturas, gravuras e desenhos do artista foram apresentados nas galerias e no Jardim Gulbenkian, com o duplo objetivo de documentar os 60 anos da produção artística daquele escultor e de salientar a sua importância na história da arte mundial. Segundo Leslie Martin, na introdução do catálogo da exposição: «O interesse desta exposição não é meramente o da sua grandeza ou da revelação de novos trabalhos ou ainda por dela fazerem parte algumas daquelas emocionantes e monumentais obras agora tão largamente divulgadas como obras-primas. Tudo isto é verdade. Mas o valor desta exposição contém mais qualquer coisa. Aquilo que se nos apresenta é o esforço de uma vida por um artista cuja reputação e estatura foram firmemente cimentadas ao longo de muitos anos até aos nossos dias. Podemos apreciar o profundo empenhamento e a absoluta consistência do homem em si e podemos experimentar o alcance e a exaltação que ele explora continuamente.» (Henry Moore, 1981)
A exposição foi inaugurada no dia 22 de setembro de 1981, na presença do ministro das Artes do Reino Unido, Paul Channon, do diretor do British Council, Tony Sherwood, e dos representantes da Embaixada do Reino Unido, do British Council em Portugal e da Henry Moore Foundation. Devido a problemas familiares, o escultor não pôde deslocar-se a Lisboa para o evento. Neste mesmo dia, a Galeria Sesimbra, situada nas Galerias Ritz em Lisboa, inaugurava também uma exposição de litografias de Henry Moore.
A produção e a montagem desta mostra na FCG, que muitos jornais intitularam como o «grande acontecimento cultural em Lisboa», foram objeto de grande cuidado e atenção por parte dos responsáveis da Fundação e, em particular, do Serviço de Exposições e Museografia. Foi nomeadamente considerado indispensável que o desenhador-projetista Fernando Libório, coordenador da montagem da exposição, se deslocasse a Madrid, a fim de compreender e delinear a dimensão que a exposição deveria ter em Lisboa (Apontamento do Serviço de Exposições e Museografia, 7 mai. 1981, Arquivos Gulbenkian, SEM 00227). Por sua vez, uma comissão constituída por Ian Barker (British Council, Londres), Juliet Wilson-Bareau e David Mitchinson (da Henry Moore Foundation) e Leonard Read (conselheiro de seguros do British Museum) faria uma visita técnica a Lisboa, com o propósito de abordar questões e detalhes referentes à produção da exposição em Lisboa.
A Fundação Calouste Gulbenkian, que pela primeira vez recebia uma exposição desta envergadura, adotou um novo esquema expositivo: em vez do habitual levantamento cronológico, as peças foram escolhidas de modo a ilustrarem alguns dos temas-chave da obra do escultor, transversais à sua atividade. No catálogo, Leslie Martin menciona que «a parte interessante desta exposição é a sua distribuição, especialmente concebida para ajudar o visitante a apreciar e a corresponder a todas estas coisas. A obra não está tratada por ordem cronológica, a qual poderia tornar-se confusa. Foi agrupada por temas principais que ocuparam muitas vezes a imaginação do artista e às quais voltou sempre através de toda a sua produção» (Henry Moore, 1981).
A seleção das peças, extremamente criteriosa, foi feita pelo próprio Henry Moore e por Ian Barker (seleção de escultura e gravura), assistidos por David Mitchinson e por Juliette Wilson-Bareau (seleção de desenho). Das esculturas, destaque-se a grande peça Three-Piece Reclining Figure: Draped, exposta no Jardim. As célebres King and Queen e Family Group figuraram entre as principais esculturas expostas no interior, juntamente com uma seleção de esculturas iniciais do artista, tanto figurativas como abstratas.
A seleção de esculturas e a sua disposição pelas galerias e jardins da Fundação foi largamente aplaudida pelos técnicos da exposição e por críticos e visitantes, que, unanimemente, consideraram mais feliz a mostra em Lisboa do que a anterior montagem, no Parque del Retiro. Para tal, terão sido determinantes as possibilidades arquitetónicas, espaciais e paisagísticas da Fundação Calouste Gulbenkian: «Quer o responsável pela Fundação Henry Moore quer os responsáveis do British Council afirmam que o conjunto de obras que integra a retrospectiva é muito valorizado pelas condições existentes na Gulbenkian, que, com as suas grandes janelas de vidro, permite estabelecer uma relação de continuidade entre as esculturas que se encontram nos jardins e as que são expostas no interior.» (O Primeiro de Janeiro, 21 nov. 1981)
Também o crítico Michael Shepherd comentaria: «But the Lisbon presentation, which has been planned since 1979 is a magnificent presentation in its own right, unlikely to be surpassed; the combination of sculpture, architecture surrounding gardens and light being just about ideal. […] certainly Moore’s bronzes, in particular, have never looked better or more at home than in Lisbon; the more sad that, since his wife has broken her hip again, Moore himself may not get to see his most artistic international triumph.» (Sunday Telegraph, 1981)
E Teresa Mendes viria a sublinhar a vantagem dos edifícios e Jardim Gulbenkian para a exposição da obra de Moore, espaços capazes de «conceder o relevo à monumentalidade, ao mistério e à sensualidade das obras» (Portugal de Hoje, 19 set. 1981).
Além das esculturas, estiveram patentes 121 gravuras (que não só representavam a pesquisa das várias possibilidades técnicas da litografia e da água-forte, como também as férteis ligações que se cruzam entre gravura, desenho e escultura) e 240 desenhos, escolhidos pela sua estreita relação com a escultura, e por ilustrarem o desenvolvimento do artista enquanto desenhador. O período do conflito mundial de 1939-45, durante o qual a atividade de escultura de Moore foi mais restrita, foi ilustrado por uma notável seleção dos seus famosos desenhos de abrigos e minas de carvão. Por fim, toda uma secção foi dedicada aos seus, então, mais recentes desenhos, nos quais são explorados temas como as árvores, paisagens e formas primitivas.
No âmbito da exposição organizada pela FCG, foi publicado o livro Henry Moore: Escultura, de edição espanhola, sobre a obra do artista. A FCG responsabilizou-se pela tradução para português (feita por Ana Hatherly) e a publicação nacional requereu a autorização do próprio artista e da Ediciones Polígrafa, de Barcelona, proprietária dos direitos do livro (Nota para o Senhor Presidente: Exposição Henry Moore, 9 jan. 1981, Arquivos Gulbenkian, SEM 00227). Este livro foi abundantemente ilustrado, incluindo algumas reproduções a cores.
No catálogo da exposição, foi inserida uma nota introdutória da autoria de José Sommer Ribeiro, acompanhada pelo prefácio de Ian Barker e David Mitchinson, comissários. O catálogo integrava também reproduções de vários estudos e obras do escultor, bem como algumas observações e comentários do artista aos seus próprios trabalhos, o que lhe confere um valor documental acrescido.
Devido à sua integração no programa das comemorações dos 25 anos da FCG, esta exposição beneficiou de uma maior verba, facultada pelo Serviço da Presidência, o que reflete por si só a perceção de que se inscreveria como um marco no historial de exposições da Fundação Gulbenkian. Isto mesmo está patente num apontamento de José Sommer Ribeiro: «Ainda que o custo da presente iniciativa seja muito elevado, julgo que será das exposições mais notáveis que foram apresentadas nesta Fundação.» (Apontamento do Serviço de Exposições e Museografia, 19 nov. 1980, Arquivos Gulbenkian, SEM 00227)
O orçamento aprovado para a exposição viria a suportar quer os custos e despesas da sua produção, quer as iniciativas complementares então organizadas pelo Serviço de Exposições e Museografia (Ata do Conselho de Administração n.º 20/81, 1981, Aquivos Gulbenkian, SEM 00227). E foram várias as atividades educativas e lúdicas complementares à exposição dignas de nota, destacando-se em especial a projeção de filmes sobre a vida e obra do escultor Henry Moore; a organização de visitas guiadas por críticos e escultores portugueses (Sílvia Chicó, Fernando Pernes, Lagoa Henriques, Jorge Vieira e João Cutileiro), as quais foram organizadas na sequência de inúmeros pedidos por parte do público; e uma conferência de Alan Bowness (diretor da Tate Gallery entre 1980 e 1988) acerca da obra recente de Henry Moore, proferida no dia seguinte à inauguração. Reconhecido mundialmente como uma autoridade académica sobre o trabalho de Moore, Bowness foi o autor do prestigiado catálogo raisonné da escultura do artista. Esta conferência, que foi acompanhada por slides e traduzida para português, contou com uma considerável participação por parte de artistas, professores, alunos de belas-artes e público em geral. Uma nota curiosa: a Escola de Belas-Artes do Porto (ESBAP) manifestou grande interesse em que os seus professores e alunos de escultura se deslocassem à exposição e assistissem a esta conferência. Por questões de agenda, os alunos não puderam deslocar-se a Lisboa no dia 23 de setembro e assistir ao evento. Porém, a FCG viria a subsidiar a visita dos alunos da ESBAP à exposição, suportando os encargos do aluguer de dois autocarros para a viagem e o almoço na cantina da Fundação para todos os visitantes associados àquela escola. A visita de estudo realizou-se no dia 3 de novembro (Apontamento do Serviço de Exposições e Museografia, 27 out. 1981, Arquivos Gulbenkian, SEM 00227; Carta da ESBAP para o Serviço de Exposições e Museografia, 29 out. 1981, Arquivos Gulbenkian, SEM 00227).
Além destas atividades, a FCG subvencionou a vinda a Lisboa de dois críticos britânicos de renome internacional: William Feaver (à data, crítico de arte no jornal The Observer) e Michael Shepherd (à data, crítico de arte no jornal Sunday Telegraph).
Ainda no campo das ações relacionadas com a exposição, refira-se a deslocação à FCG, no dia 2 de outubro, de uma equipa técnica da RTP1, para filmar as esculturas ao ar livre da exposição; a recolha de imagens seria reproduzida no magazine televisivo Muito, Pouco, Tudo ou Nada. No mesmo dia, o repórter Rui Pacheco, do jornal Diário de Lisboa, dirigiu-se também à FCG, para fotografar as obras de Henry Moore. A exposição foi ainda eleita para integrar um programa da série Magazine de Artes Plásticas, que a RTP2 exibia todos os sábados. Na emissão dedicada a esta mostra, foram divulgados depoimentos dos escultores João Cutileiro e Jorge Vieira, do crítico José Luís Porfírio e de José Sommer Ribeiro (cf. Diário de Notícias, 24 out. 1981).
O público da exposição «Henry Moore» atingiu números inéditos: com um total de 75 217 visitantes, sagrou-se a exposição mais concorrida no historial de exposições da FCG até então. De acordo com os registos em arquivo, foram confirmados, no dia da inauguração, 1180 visitantes, o que, segundo Sommer Ribeiro, nunca teria acontecido em exposições realizadas na Fundação. Nos primeiros cinco dias «verificou-se […] uma excepcional afluência de público […]. Neste curto espaço de tempo contam-se cerca de 10 000 visitantes» (Apontamento do Serviço de Exposições e Museografia, 27 e 29 set. 1981, Arquivos Gulbenkian, SEM 00227). Em virtude da forte afluência de visitantes, a tiragem inicial de 1500 exemplares do catálogo revelou-se insuficiente, tendo-se procedido à sua reedição por duas vezes.
Depois do encerramento da exposição, José Sommer Ribeiro informaria o Gabinete da Presidência de que: «Apesar do elevado encargo desta iniciativa, integrada nas comemorações do 25.º Aniversário, registamos com satisfação que os nossos objectivos foram conseguidos e que do bom entendimento entre a Fundação Henry Moore, o próprio artista e a Fundação Gulbenkian resultou a obtenção do depósito permanente de uma escultura de grande porte e redução de preço na compra de outras duas» (Apontamento do Serviço de Exposições e Museografia, 1 fev. 1982, Arquivos Gulbenkian, SEM 00227). Em relação a estes dados, comprova-se a aquisição, à Henry Moore Foundation, das esculturas Spindle Piece (Inv. 82EE18) e Animal Carving (Inv. 82EE17).
Apesar do êxito deste grande evento, foram registados dois episódios insólitos, mas que rapidamente foram esclarecidos e resolvidos. O primeiro ocorreu durante os últimos momentos da montagem da exposição, no dia 19 de setembro, por volta das 18.30, hora a que foi dado o alerta de furto de três obras de arte da exposição de Henry Moore. O furto terá sido praticado por um «indivíduo estrangeiro», desconhecido do pessoal. Porém, com o apoio da Polícia Judiciária, a situação foi rapidamente noticiada e controlada, sendo o suspeito intercetado e as peças, que haviam sido escondidas no Jardim da Fundação, recuperadas (Apontamento do Serviço de Exposições e Museografia, 21 set. 1981, Arquivos Gulbenkian, SEM 00227).
O segundo episódio deu-se mais tarde, quando, já durante a abertura da exposição ao público, foram efetuadas duas queixas isoladas por parte de dois visitantes. As queixas, dirigidas aos responsáveis pela vigilância das galerias da exposição, prendiam-se com a não-autorização do uso de flash na captação de imagens fotográficas. O assunto não demorou a ser esclarecido e, num dos casos, o visitante viria a redigir uma declaração em como não iria utilizar as fotografias senão a título particular (Apontamento do Serviço de Exposições e Museografia, 5 nov. 1981, Arquivos Gulbenkian, SEM 00227).
Depois de ter estado em Madrid e em Lisboa, a exposição foi apresentada em Barcelona (novembro de 1982), seguindo depois para a Coreia do Sul e para o México (Carta de James Herbert para Sommer Ribeiro, 21 out. 1981, Arquivos Gulbenkian, SEM 00227). Durante a preparação destas novas montagens, vieram a Lisboa os seus futuros responsáveis: K. J. Yoo (Coreia do Sul) e Flores Castro (México).
Joana Brito, 2015
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