Figuras Que Abril Deu / Rui de Brito

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Descrição

Textos de Rui de Brito. Desenhos de Luís Guimarães.

«Ao olhinho crítico do artista, raro é escapar a saliência, o contorno, o esgar, o volume, o trejeito enviesado. Ele observa, de bom humor, ou com amargura, projectando depois laboradamente sobre o papel, aquilo que o sentido capta e a mente recria. Se o artista flutua numa certa morada, bem por cima da sociedade espectacular, aquilo que desse modo comunica pode ser objecto de repulsa, arma de agressão ou símbolo de prazer. E isto porque ele vai escancarando certo ridículo num filtro a que os outros se negam, ou talvez nunca tenham sido capazes de topar. Apesar disso, com ele está sempre presente o humano, o real. LUIS GUIMARÃES tem dupla vista, senso de humor, amargura fina e sofre da incompatibilidade congénita com a sua reincarnação neste mundo de múltiplos disfarces, alienações e marionetes falantes. Durante muito tempo, desenhou para ele próprio no silêncio imposto pela censura e no isolamento das «engrenagens» promotorias, tão ao gosto do burguesismo intelectual do Reino. Mas, nos últimos dois anos, respirou a liberdade a seu modo, vivendo o quotidiano rico, pasmoso, agridoce e por vezes ridículo do PREC. Não o retratou no seu interior é certo. Mas isso pouco importa, uma vez que a força motora do PREC provém da sua própria espontaneidade multidireccional, antidirigida, permanentemente conspiratória, simultaneamente ingénua e viperina. Para o entender e desenhar, seria necessário ter dentro de/e, do PREC, um observador tão subtil e preciso, tão racional e lúcido, que soubesse comunicar-lhe sobre o processo ao ponto dele mesmo se projectar na criatividade crítica do artista.
LUIS GUIMARÃES, viveu e vive o sobressalto fascinante da política, estimulado pelos efeitos e fixado nas causas. E as causas são os políticos, porque assim são entendidos por quem considera a política um jogo que se vê jogar. LUIS GUIMARÃES sofre de tédio e náusea levitante. É, talvez, demasiadamente arguto, espectador e conhecedor do humano. Por este motivo, mais do que qualquer outro, fez da mordacidade política um exercício simples e auto-revitalizante, tal como quem toma um medicamento contra o tédio. Neste livro, reunem-se algumas das personagens que encontrou em certas esquinas políticas, desfiguradas pelo tal seu filtro mágico, desenhador das coisas e das figuras. Nem para rir, nem para chorar ! Nem genial, nem comum, nem natural. Para sorrir, sim ! Para irritar, talvez… A maioria viveu o tempo efémero dos jornais Expresso, Jornal Novo, Costa do Sol. Faltavam — não faltavam, claro ! — umas legendas, umas palavras. Se eu as tivesse, deveria eu cumprir pela sua vontade um pequeno destino comum avivando o conteúdo gráfico. Mas, para quem desenha assim, as palavras nada explicam, nada adiantam. O que importa é o impacto da figura na sua linguagem de sinais integrados, avolumada, disforme, transfigurada, e por isso mesmo transmissora daquilo que quem a vê lhe atribui.

Cruzo-me assim com algumas figuras de Abril, como se de um rio paralelo se tratasse, inserindo e distribuindo algo pelas páginas e que também já escrevera para um jornal ou outro, durante a jornada de falar para ninguém. • Por isto, não há conexão meditada entre figuras e textos mas sim duas expressões diferentes embora por vezes coincidentes. Um livro, testemunho do usufruto da liberdade de pensar, coisa essa que raras vezes tem acontecido na história deste reino portuga. As figuras têm a sua leitura própria. E é isso que importa. O resto sou eu a dizer da importância delas e da admiração que tenho pelo autor. Um dia serão ressuscitadas ou exumadas e com elas o próprio artista. É que, tal como prova o tempo e a experiência, o que prevalece, morre ou ressuscita, nada tem a ver com as verdades dos augures políticos nem com a sentença dos juízes de circunstância.»

Rui de Brito

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