Descrição
«Era por esse tempo que na terrinha bucólica do Vimieiro crescia o menino a quem fora posto o nome de António. Era o mais novo de cinco irmãos e herdara o nome do pai. Vinha de gente rústica; seu pai era caseiro de uma quinta de gente rica. Homem sério, trigueiro do sol dos campos, granjeara com áspero trabalho as economias que lhe permitiram educar os filhos e tira-los do rude labor da terra. Tudo havia de ser contado nesse lar – onde nasceu o maior dos portugueses do nosso tempo, e era igual ao de milhares de portugueses – onde o pão por todos bem repartido, ainda deixava fazer o pé de meia que permitiria comprar agora um telhado onde se abrigassem, mais tarde uma velha escola — o humilde património de uma vida inteira de tenaz esforço.
Mas era sobretudo a Mãe quem depositava naquele menino toda a esperança. Poderia estudar, talvez um dia atingir a glória de ser Ministro de Deus. Ou se ele não quizesse…. – e naquele menino, tão sério, tão compenetrado, tão pouco amigo das correrias e alacres brinquedos dos outros rapazes, a Mae punha o seu olhar que era todo amor e esperança – se ele não quizesse esse caminho (que isto de religião são vocações…) talvez pudesse ir a Coimbra, pudesse ser doutor… E quando ele, o Pai, lhe surpreendia o sonho nalguma palavra murmurada, talvez não comungasse inteiramente: os homens julgam sempre saberem mais que as mulheres, quando a vida é dura; e lançava a vista fatigada pelos campos onde a seara ou o milharal cresciam, pela vinha onde os brotos novos iam nascendo, numa promessa e numa esperança. E intimamente duvidava.
Mas na Mãe nenhuma dúvida sufocava o sonho. Vivia para todos os filhos, mas aquele, mais novinho, era o predilecto. Ele retribuiu-lhe o carinho num amor filial muito profundo. Nove dias e nove noites lhe velou a cabeceira, quando ela se passou desta vida. E era um farrapo dilacerado pela dor, arrastando a custo os pés inchados pelas contínuas vigílias – esse homem que a acompanhou, quando ela foi a sepultar. «Se minha mãe não tivesse morrido, nem sequer teria sido Ministro. Ela não poderia viver sem mim; e eu não poderia trabalhar, sabendo-a inquieta» – diria mais tarde.»
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Neográfica, 1954. Com 32 págs.; 21 cm; Broch.
[Bem conservado]
Detalhes
- Autor/a:F. José Andrade