Direito de Mentir / João Miguel Fernandes Jorge

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Descrição

Ironia que tem, como ponto de legitimação uma verdade intrínseca, íntima, que atravessa o poema e o livro como evidência e proclamação do olhar do autor perante os acontecimentos do mundo, permitindo-lhe o Direito de Mentir, de afirmar a sua própria percepção do real contra a «verdade» das evidências (aquilo que, carecendo de demonstração, se configura como revelação: «ecce ancilla domine» Lc: 1,38). Joaquim Manuel Magalhães escreverá, a propósito do livro, ser este: «expressão duma paz contemplativa de sucessivas paisagens perturbadas (…) num plano que não é o da confissão linear de sentimentos, mas que é duma afirmação emocional tensa, ora carregada de paixão, ora de euforia irónica, ora de puro registo sensorial.»

POR DAVID HOCKNEY

Trazia comigo uma tristeza que não morria e
vinha de não haver em português… não sei que sentido faz
começar com estes versos um poema.
Chegou-me
no setembro de 66 pelas mãos do meu amigo We Two Boys Together
Clinging e desde então creio não haver perdido
ora uma palmeira ora uma cadeira de lona pelo fim do
verão. As aparas de ouro os irmãos Grimm e os versos
Rapunzel, Rapunzel
Let down your hair.
Um anão falando à rainha. Jonas na barriga da baleia.
Peter no albergo La Flora, Celia e toda uma série de lápis
frutos e cómodas cadeiras de hotel.
Mr. e Mrs. Clark e Percy estão no começo da história da gata
Maravilhas e do meu António Vieira andando siamês e devagar
mijando no pote de açucenas porque a pátria porque o rei. E
sob um chapéu de largas listas verdes e azuis
conto, porque vi, a mais história da guerra portuguesa:
um rapaz levando o seu amigo, com menos uma perna, para o
mar, sob a areia que o vento levemente erguia.
Escrevo um jarro de anémonas uma gravata de riscas
uns grossos aros de tartaruga.
Escrevo tudo isto em defesa do figurativo? Hockney e Kitaj
trazidos na capa da revista, não vou dizer qual é, dois corpos de
homem, um nu, outro apenas de camisola de alças peúgas negras
sapatilhas, ainda uns óculos a correia de um relógio
o sorriso sobre a tela branca.
Trazia comigo uma alegria que não morria e
vinha de haver contra o mar
as águas das piscinas,
os retratos de todos os amigos.
Flaubert Auden Isherwood Cavafy ou apenas juventude.

EDICAO: 1ª
PUBLICAÇÃO: Lisboa : Arcádia, 1978
DESCR.FÍSICA: 78, [6] p. ; 21 cm
COLEÇÃO: Licorne ; 9

Detalhes: